Consequências da não habilitação em recuperação judicial
Recentemente, o Congresso Nacional do Fórum de Recuperação Empresarial e Falências – Fonaref, aprovou quatro enunciados para regulamentar os processos de recuperação judicial empresarial.
Os membros do fórum tomaram essa iniciativa com o objetivo de transparência e padronização dos processos de recuperação judicial, servindo como orientação para a advocacia e magistratura.
O primeiro enunciado aprovado tem a seguinte redação: “Incumbe ao juízo da recuperação judicial, quando provocado, o reconhecimento da essencialidade do bem de capital, mediante a análise das circunstâncias do caso”.
Para melhor entendermos o enunciado acima, se faz necessário conceituar o que é “bem de capital”.
Por mais simples que possa ser, é bem comum no mundo jurídico ou até mesmo em processos judiciais, a confusão da sua definição.
Nas palavras de Salomão e Santos (2020, p. 371)., os bens de capital são aqueles que 1“têm importância no processo de produção, ou na sua durabilidade ou permanência (em contraste com os bens de consumo)”, ou seja, seriam bens que servem para 2“a produção de outros bens, especialmente os bens de consumo, como máquinas, equipamentos, material de transporte e instalações de uma indústria” (SANDRONI, 1985, p. 51).
Assim, o juiz do processo tem a autonomia de reconhecer (quando provocado) se o bem que está sendo executado é ou não essencial para a empresa recuperanda.
Tal discernimento é de suma importância dentro do processo de recuperação judicial, uma vez que, na eventualidade de um bem de capital ser obtido da empresa recuperanda com a finalidade de saldar a dívida de um credor, poderá comprometer ainda mais a situação financeira da empresa, visto que se trata de um bem de produção, ou seja, um bem que é essencial para as atividades da empresa a fim de gerar receita.
Outra questão trazida na segunda parte do enunciado, “mediante a análise das circunstâncias do caso”, alude a importância de o reconhecimento da essencialidade caber somente ao caso de cada processo.
Não se pode valer de uma decisão de uma determinada recuperação judicial para todos os processos, sendo que um bem que é essencial para uma empresa, pode não ser para outra. Mais precisamente, as análises serão de certa forma “personalizada”.
O segundo enunciado ratificado pelo fórum, que será destaque do presente artigo, tem o seguinte texto: “O crédito sujeito aos efeitos da recuperação judicial será novado e pago conforme o plano de recuperação judicial homologado, mesmo que não habilitado e ainda que a recuperação judicial já tenha sido encerrada”.
Por mais que o segundo enunciado tenha sido ratificado recentemente, o seu texto já vem sendo usado em processos há algum tempo. Isso porque em 2021 o Superior Tribunal de Justiça – STJ, conheceu e proveu os embargos de declaração da empresa OI. S.A.
No sentido de que: o credor que não habilitou o seu crédito no plano de recuperação homologado, sofrerá os efeitos da recuperação judicial.
A lei de recuperação judicial em seu artigo 10 , §6 oferece ao credor a faculdade de não habilitar o seu crédito antes da homologação do plano de recuperação judicial.
Dessa forma, mesmo que o plano já tenha sido homologado e a recuperação judicial já tenha sido encerrada, o credor poderia executar o crédito de forma individual, sem ter que suportar os efeitos da recuperação.
Ocorre que tal prática era prejudicial à empresa recuperanda, visto que terá que satisfazer um crédito que não estava programado, desequilibrando o seu plano de recuperação.
Dessa forma, os membros do fórum ao aprovarem o enunciado, reconheceram um entendimento que já havia sido praticado nos tribunais e consolidado pelo STJ.
Consequências e efeitos da não habilitação do crédito no plano de recuperação judicial
Com o entendimento do STJ, e agora, com a aprovação do enunciado do Fonaref, o credor que não habilitar o seu crédito sofrerá algumas consequências.
Como mencionado, antes o credor podia requerer a satisfação do seu crédito posterior à homologação do plano de recuperação, sem sofrer os efeitos da recuperação judicial. Agora, com a redação do enunciado do fórum isso não é mais possível.
No acórdão do recurso especial 1.851.692-RS, o relator ministro Luis Felipe Salomão, compreendeu que “tendo o credor sido excluído do plano recuperacional e optado por prosseguir com o processo executivo, não poderá ser obrigado a habilitar o seu crédito, devendo assumir, por outro lado, as consequências jurídicas (processuais e materiais) de sua escolha”.
Dessa forma, o credor não será obrigado a habilitar o seu crédito no plano recuperacional como a própria lei determina, mas terá que assumir as os efeitos recuperacionais jurídicos, ou seja, a novação do seu crédito.
Assim, cabe ao credor escolher decidir entre3 “habilitar seu crédito de forma retardatária; não cobrá-lo; ajuizar a execução individual com o seu crédito novado; ou retomar o cumprimento de sentença, após o encerramento da recuperação. “Em qualquer hipótese, terá o ônus de se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial”.
Segundo Salomão, as consequências para o credor não habilitado envolvem 4“perder a legitimidade para votar em assembleia; correr contra ele a prescrição; abrir mão do direito de receber o seu crédito no âmbito da recuperação, durante o período de fiscalização judicial, com a possibilidade de requerer a convolação em falência no caso de descumprimento (artigo 61, parágrafo 1º, combinado com o artigo 73, IV, da Lei 11.101/2005, também conhecida como Lei de Recuperação de Empresas e Falência – LREF)”.
Por fim, 5“o credor que não tenha sido incluído no plano e que tenha optado por não se habilitar de forma retardatária, sem interesse em participar do conclave pela execução individual, deverá aguardar o encerramento da recuperação judicial (artigo 63 da LREF), assumindo todas as consequências jurídicas (processuais e materiais) de sua escolha”.
O ministrou ainda observou que 6“seria contraditório reconhecer que a norma incentiva a participação do credor na recuperação judicial com a habilitação de seu crédito, ainda que de forma retardatária (apesar das consequências), e, por outro lado, em relação ao credor reticente, que não participa da recuperação e almeja o recebimento ‘por fora’ do seu crédito, não prevê nenhum tipo de repercussão negativa, a não ser aguardar o prazo de encerramento da recuperação judicial”.
Os outros dois enunciados aprovados, está relacionado a parte administrativa processual, são eles: “Cabe ao administrador judicial disponibilizar no respectivo sítio eletrônico o Relatório da Fase Administrativa, o Relatório Mensal de Atividades e o Relatório dos Incidentes Processuais”; “É necessária procuração com poderes específicos para representação do credor em assembleia geral de credores”.
Com a aprovação dos enunciados feito pelo Fonaref (regulamentado pelo CNJ em 2022), reforçou ainda mais o que o STJ havia entendido. Os enunciados servem como um condutor para a organização e padronização dos processos de recuperação judicial empresarial. O que de certa forma leva a empresa recuperanda a melhorar seus planos recuperacionais e a quitação dos débitos de seus credores.
E esse é o papel do fórum, desenvolver congressos e reuniões voltados para os temas que estão sendo propagados em todo Poder Judiciário. Além de consolidar medidas de manutenção da função social da empresa.
Texto por: Jessica Rondon